A Nova Lei do Agro, assim chamada a lei 13.986, de 7 de abril de 2020, entre outras alterações, impôs diversas modificações à Cédula de Produto Rural (CPR), umas bastante festejadas, outras nem tanto.
O inegável é que algumas inovações de fato modernizam o instituto e colocam a CPR definitivamente na era digital. Podemos citar a expressa previsão da emissão e assinatura via processos eletrônicos, a transformação incondicional da CPR em ativo financeiro e a obrigatoriedade do registro ou depósito da cédula em entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil. Esta última novidade, contudo, tem protagonizado boa parte dos debates, direcionando os holofotes para a nova redação dada ao artigo 12 da lei da CPR (Lei 8.929/94), que trata dos registros e seus efeitos.
Pois bem, esse particular, analisando o novo texto do referido dispositivo, somos levados a concluir, em linguagem metafórica, pela “morte” da CPR de gaveta e a “encarnação” definitiva da CPR digital. Antes de explicar o porquê da conclusão acima, importante esclarecer que existem dois registros envolvidos na emissão de uma CPR, um do próprio título, e outro de suas eventuais garantias, sendo que a CPR desprovida de ambos os registros é popularmente conhecida como CPR de “gaveta”.
No que diz respeito ao registro das garantias reais, não houve alteração pela nova lei, permanecendo a exigência do registro no cartório de Registro de Imóveis do local dos bens ofertados. Todavia, o mesmo não aconteceu com o registro do título em si, este que sofreu significativas modificações, conforme veremos a seguir.
Tal como foi dito, o artigo 12 é o dispositivo da lei da CPR que trata dos registros e seus efeitos. No texto antigo, a CPR, para ter eficácia contra terceiros, dependia do registro do título no cartório de registro de imóveis do domicílio do emitente. Sem esse registro, a CPR, embora válida enquanto espécie de título de crédito sob regência da lei 8.929/94, não possuía eficácia contra terceiros, ou seja, suas disposições produziam efeitos somente entre as partes contratantes. Isso se fazia relevante especialmente em casos de concurso de credores, onde detinha o direito de preferência do crédito aquele que tivesse seu título devidamente registrado.
Com a nova redação do art. 12, dada pela lei 13.986/2020, esse registro do título em si - para eficácia contra terceiros - foi extinto, sendo substituído pelo registro ou depósito da cédula em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil (BACEN) a exercer a atividade de registro ou de depósito centralizado de ativos financeiros, a depender do tipo de CPR, se escritural ou cartular.
Todavia, a nova lei foi mais longe, passando a exigir o dito registro ou depósito como condição de validade da CPR. Isso mesmo, VALIDADE! Essa exigência significa, do ponto de vista prático-jurídico, que a CPR que não for registrada ou depositada conforme a exegese do artigo 12, não se configurará em uma CPR. Em outras palavras, não poderá ser tida como título de crédito e muito menos se sujeitar aos ditames da lei de regência da CPR.
Daí por que a morte da CPR de gaveta, pois em não havendo ao menos o registro do título, a CPR sequer existirá! A propósito disso, cabe lembrar que de acordo com o artigo 3º-A, da lei 8.929/94, a CPR pode ser emitida de duas formas: na forma Escritural e na forma Cartular. Na prática, a CPR Escritural é a cédula em versão digital gerada e lançada via sistemas eletrônicos, e a CPR Cartular é a cédula na versão em papel gerada via processo físico de confecção e impressão.
Para a validade e eficácia do título enquanto CPR, conforme a nova disciplina legal, a CPR Escritural deverá ser “Registrada” em entidade autorizada pelo BACEN a exercer a “Atividade de Escrituração”, e a CPR Cartular deverá ser “Depositada” em entidade autorizada pelo BACEN a exercer a “Atividade de Depósito Centralizado de Ativos Financeiros ou de Valores Mobiliários”. Resumidamente, para validade e eficácia da CPR, registra-se a CPR Escritural e deposita-se a CPR Cartular. Sabe-se que atualmente a B3 é a entidade autorizada a exercer tais atividades.
Nesse contexto, importante notar que a CPR no formato cartular, para que seja depositada como exige a lei, demandará a custódia do título físico, implicando num custo adicional aos envolvidos. Já a CPR escritural, uma vez emitida por meio de plataformas eletrônicas, dispensa a custódia e depósito, e seu processamento é extremamente mais célere. Diante disso, não resta dúvida que os usuários de CPRs farão a opção pela emissão na forma eletrônica, abandonando de uma vez por todas a CPR em papel. Daí por que a encarnação definitiva da CPR digital!
Em arremate, cabe um comentário acerca dos efeitos desse novo procedimento de registro (ou depósito). De acordo com a remodelagem da norma, pode-se dizer que a CPR, uma vez registrada ou depositada na forma do atual artigo 12, tendo plena validade e eficácia, gerará efeitos jurídicos amplos, inclusive contra terceiros, mesmo não havendo garantias reais registradas em cartório.
Além disso, o produto rural objeto desta cédula válida e eficaz contra terceiros contará com a proteção do artigo 18 da lei da CPR, que confere inalienabilidade aos bens que lhe são vinculados, o que implica, consequentemente, na vedação da constituição de ônus pignoratício em favor de terceiro credor, cabendo, inclusive, nos termos da parte final do mesmo dispositivo, a denúncia da existência da CPR ao Cartório de Registro de Imóveis do local onde será desenvolvido o produto rural, principalmente porque a indicação do local de produção passou a ser requisito obrigatório da CPR, conforme nova redação do artigo 3º, IV, parte final.
Resta-nos concluir, portanto, que diante das mencionadas alterações normativas, a CPR de “gaveta” está a ceder lugar definitivo à CPR digital, de modo que fica o alerta aos adeptos daquela convalescente versão para que promovam os devidos ajustes em seus processos, observando a data limite de 1º de janeiro de 2021, quando o registro ou depósito de que trata o artigo 12 passará a ser obrigatório.
Bernardo Vianna Waihrich é advogado, produtor rural, mestrando em Direito e especialista em Direito Ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor da pós-graduação em Direito Agrário e do Agronegócio da Fundação Escola Superior do Ministério Público - FMP. Integrante da Associação Gaúcha dos Advogados de Direito Ambiental Empresarial - AGAAE e membro da Comissão Especial de Direito Agrário e do Agronegócio da Ordem do Advogados do Brasil, seccional do Rio Grande do Sul.
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