ARTIGO - O Papel da Cédula de Produto Rural nas Recuperações Judiciais e as alterações trazidas pela Lei nº. 13.986/20

A ideia do legislador ao aplicar o patrimônio rural em afetação ao agronegócio é de simplificar e ampliar o acesso a recursos financeiros
Por Andre Morais Bachur Silva
21/07/2020 | 188

ARTIGO - O Papel da Cédula de Produto Rural nas Recuperações Judiciais e as alterações trazidas pela Lei nº. 13.986/20

A ideia do legislador ao aplicar o patrimônio rural em afetação ao agronegócio é de simplificar e ampliar o acesso a recursos financeiros
Por Andre Morais Bachur Silva
21/07/2020 | 188

As alterações e inovações trazidas pelo texto da Lei nº. 13.986/2020, o qual é o mais revolucionário dos últimos anos envolvendo o agronegócio, e possui como objetivo alavancar o setor, com a facilitação e desburocratização do acesso do produtor rural ao crédito, por meio da criação/modernização de títulos de crédito, trazendo ainda maior segurança jurídica às operações que fomentam o agronegócio brasileiro, sobretudo em se tratando dos inúmeros pedidos de Recuperação Judicial nos últimos anos, envolvendo inclusive produtores rurais pessoas físicas, conforme melhor detalhado a seguir.

 

Histórico da Lei do Agro

 

Conforme acima mencionado, a MP do Agro instituiu novos instrumentos de garantia aos títulos de crédito agrícolas, bem como diversas alterações às leis de tais títulos a fim de fomentar o crédito rural no Brasil. Pode-se dizer que a alteração mais significativa do projeto da MP do Agro em relação à CPR se referia a extraconcursalidade do crédito oriundo de tal título, ou seja, o crédito não se submeteria aos efeitos da Recuperação Judicial.


Todavia, a MP do Agro não trouxe tal previsão, ficando a discussão para inclusão da extraconcursalidade do crédito da CPR para a Câmara dos Deputados e Congresso Nacional quando da conversão da MP em Lei. Contudo, mais uma vez, essa previsão não foi aprovada pelas casas democráticas sediadas em Brasília.


No entanto, após a sanção presidencial e a consequente conversão da MP do Agro em Lei, foi criado um meio de exclusão da CPR do processo de Recuperação Judicial, desta vez atrelado ao Patrimônio Rural em Afetação, acarretando sua extraconcursalidade, conforme pretendido anteriormente. É evidente a manobra legislativa articulada após a aprovação do texto-base.


Patrimônio Rural em Afetação e seu caráter extraconcursal

 

A Lei do Agro instituiu o Patrimônio Rural em Afetação como garantia a uma CPR ou a uma Cédula Imobiliária Rural (“CIR”). De acordo com o artigo 7º da Lei em questão, o proprietário de imóvel rural, sendo pessoa natural ou jurídica, poderá submeter seu imóvel rural ou fração dele ao regime de afetação, incluindo o terreno, bem como acessões e benfeitorias nele fixadas, com exceção das lavouras, dos bens móveis e os semoventes, para garantir empréstimos/financiamentos agrícolas.


A ideia do legislador ao aplicar o patrimônio rural em afetação ao agronegócio é de simplificar e ampliar o acesso a recursos financeiros por parte dos proprietários dos imóveis rurais, de modo que apresentem como garantia somente parte dos seus bens correspondentes ao valor negociado nos empréstimos/financiamentos rurais, sem que tenha que apresentar em garantia a sua totalidade que, por muitas das vezes, supera o montante da dívida contraída.


Já o artigo 10, § 4º da Lei nº.13.986/2020, estabelece que o Patrimônio Rural em Afetação, ou parte deste, vinculado a CIR ou a CPR, não será atingido pela decretação de falência, insolvência civil ou recuperação judicial do proprietário de imóvel rural e, ainda, não integrará a massa concursal na hipótese de falência.


Nesse sentido, o afastamento do Patrimônio Rural em Afetação vinculado à CPR da Recuperação Judicial, visa justamente afastar a insegurança jurídica para toda a cadeia produtiva do agronegócio ocasionada pelo crescimento exponencial dos pedidos de recuperação judicial nos últimos anos, o que automaticamente trouxe um fator de risco a mais na fase da produção rural, levando os credores que a financiam a adotar outros parâmetros para a concessão de créditos no agronegócio, o que poderia trazer uma escassez de recursos para o financiamento da atividade rural, num contexto mais amplo.


Entende-se, desta forma, que tais intervenções e alterações realizadas ao longo do trâmite procedimental da MP do Agro foram necessárias, considerando, principalmente, o julgamento do Recurso Especial nº. 1.800.032/MT pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em 05 de novembro de 2019, interposto pelos produtores rurais José Pupin Agropecuária e Vera Lúcia Camargo Pupin, quando a Corte Superior decidiu, por 3 votos a 2, que as dívidas contraídas por produtores rurais sob a forma de “pessoa física” podem ser incluídas no âmbito da Lei de Recuperação Judicial e Falência, ou seja, podem submeter-se aos efeitos de Recuperação Judicial requerida pelo produtor rural, mesmo que tenham sido assumidas, formalizadas ou constituídas antes da inscrição do produtor rural pessoa física em Registro Público de Empresas.

 


Cédula de Produto Rural e a essencialidade do bem alienado fiduciariamente

 

No campo das garantias à CPR, a Lei do Agro suprimiu do rol anteriormente previsto (hipoteca, o penhor e a alienação fiduciária). Assim, podem vir a garantir o adimplemento da obrigação constante na CPR qualquer tipo de garantia prevista no ordenamento jurídico.


Em sendo assim, dada a pluralidade dos negócios jurídicos em garantir que agora podem se prestar à CPR, há que se voltar aos olhos para aquelas que possam dar vantagens ao credor em situação de elevado risco, leia-se – possibilidade de o produtor rural requerer sua recuperação judicial.


Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 5º da Lei da CPR, consta que deve o emitente declarar a essencialidade do bem, móvel ou imóvel, dado em garantia fiduciária em relação a atividade empresarial desempenhada.


É importante lembrar que apesar dos créditos garantidos por alienação fiduciária constituírem exceção legal aos efeitos do pedido de recuperação judicial de um financiado, conforme disposto na primeira parte artigo 49, §3º da Lei nº 11.101/2005[ Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. (...) § 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.], a parte final do mencionado artigo dispõe que durante o stay period (período de suspensão de 180 – cento e oitenta dias – previsto no §4º do artigo 6º da Lei nº 11101/2005 [Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário. (...) § 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial.]), é vedada a retirada do estabelecimento do devedor os bens de capital essenciais a sua atividade empresarial. Os bens de capital não essenciais podem ser retirados desde já, representando assim um ganho de eficiência na recuperação de crédito no contexto de default.


Infere-se, portanto, que é obrigatória a declaração de essencialidade, sendo que sua ausência faz presumir que o bem dado em alienação fiduciária não é essencial ao desempenho da atividade.


Outra inovação no que tange à alienação fiduciária em garantia é a possibilidade de constituição de garantia sobre os produtos agropecuários (ex.:soja, milho, café etc.) e de seus subprodutos (ex.: farelo, DGG, óleo etc.), podendo esses ser presentes ou futuros, fungíveis ou infungíveis, consumíveis ou não que pertençam ao devedor ou terceiro garantidor (artigo 8º, §1º).


A alienação fiduciária de bens fungíveis, em verdade, não é nova, uma vez que já prevista no bojo da Lei nº. 4.728, de 14 de julho de 1965, com as alterações dadas pela Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, cuja aplicação era restrita as instituições financeiras, sendo que a Lei do Agro apresenta uma inovação ao ampliar textualmente tal garantia à Cédula de Produto Rural.


Conclusão

Assim, por todo exposto, considerando que o objetivo da criação do patrimônio rural em afetação no agronegócio é de resguardar uma operação de crédito vinculado a uma garantia constante em uma CPR, conclui-se que a sua aplicação melhorará a qualidade das garantias oferecidas pelos produtores rurais quando da realização de empréstimos/financiamentos rurais, trazendo uma maior segurança jurídica a todos os envolvidos na cadeia produtiva do agronegócio.

 

Ademais, a necessidade de o emitente da CPR declarar a essencialidade do bem, móvel ou imóvel, dado em garantia fiduciária em relação a atividade empresarial desempenhada, elimina o risco de tal bem ser absorvido pela Recuperação Judicial do produtor, pois não poderá ser entendido como essencial à sua atividade. Por fim, a possibilidade de alienar-se fiduciariamente produtos agropecuários em garantia à CPR aumenta a segurança para os credores de tal título e oficializa um formato de garantia que não era tão claro como hoje.

 

André Morais Bachur Silva é advogado, formado pela Universidade presbiteriana Mackenzie e pós-graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado no escritório de advocacia PSAA – Passos e Sticca Advogados Associados (especializado em Direito do Agronegócio).

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